domingo, 5 de dezembro de 2010

Um ingá extraordinário, dádiva da Mata Atlântica

Inga congesta, restrita a enclaves na Mata Atlântica, é recomendada para vasos devido a seu pequeno porte













Os botânicos se valem de nomes estranhos para descreverem a beleza dos vegetais. Um destes termos é "bulado(a)", que adjetiva folhas especiais, intrigantes e fascinantes. Para nos socorrer nessas ocasiões, felizmente existe o livro "Morfologia Vegetal", de Gonçalves e Lorenzi, que é um verdadeiro dicionário ilustrado de "botaniquês" [Gonçalves, E.G. & H. Lorenzi. 2007. Morfologia vegetal, organografia e dicionário ilustrado de morfologia das plantas vasculares. Nova Odessa, Instituto Plantarum de Estudos da Flora. 448 p.], e se encontra à venda no site da Editora Plantarum, http://www.plantarum.com.br/.
Na página 119 da referida obra, encontramos a seguinte definição para o epíteto: "folhas ou outras estruturas laminares com processos similares a bolhas de ar em sua superfície." Em outras palavras, um fenômeno raro no Reino Vegetal, que transmite textura e aparência muito diferentes a raras espécies. A imagem que abre estas linhas bem demonstra o fato e ilustra um exemplar de Inga congesta, tema de nosso post de hoje. Clique nela para ampliá-la e ver os detalhes.
Nossa história se inicia na primeira metade do século XIX, época em que o Brasil finalmente abria suas fronteiras à exploração científica. Dentre uma leva de botânicos europeus que desbravaram pindorama, focalizamos um escocês de apenas 24 anos, que aqui chegou em 1836. Chamava-se George Gardner e percorreu as regiões mais inóspitas de nosso país durante cinco anos consecutivos.
O jovem bretão empreendeu uma tarefa hercúlea, coletando mais de 60.000 amostras botânicas (exsicatas) e até mesmo exemplares vivos para o Jardim Botânico de Kew, na Inglaterra. Deixou-nos um relato minucioso e preciso acerca de suas andanças por estes sertões (Rio de Janeiro, onde passou dois anos; e mais tarde Bahia, Pernambuco, Ceará, Piauí, Goiás e Minas Gerais), publicado em 1846 e posteriormente traduzido para o português
[Gardner, G. 1975. (tradução do original de 1846). Viagem ao interior do Brasil. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia. 260 p.].
Entre as localidades visitadas por Gardner estava a remota baía de Jurujuba, local histórico no atual Município de Niterói (RJ), palco de uma batalha épica entre portugueses e franceses, no século XVI. Nas florestas encravadas na colina rochosa voltada para o mar, o intrépido escocês colheu amostras de uma bela fabácea arbustiva, dotada de flores grandes e vistosas, além de um fruto-legume amarelo e piloso, contendo em seu interior uma polpa branca e muito doce, que se destaca facilmente das sementes.
As exsicatas repousaram nas gavetas de um herbário britânico até o ano de 1846, quando a espécie foi descrita pelo sistemata George Bentham, no London Journal of Botany. Ele a incluiu no gênero Affonsea, batizando-a justamente de A. bullata, em alusão à característica mais evidente da planta, conforme referido no início destas linhas.
Finalmente, no final dos anos 1990, o Dr. Terry Pennington sinonimizou os gêneros Affonsea e Inga, o último prevalecendo por ser mais antigo. O ingá-de-folhas-buladas passaria a se chamar Inga bullata, mas tal não ocorreu porque já havia um outro táxon, absolutamente distinto, com o mesmo nome. Para evitar a homonímia, o biólogo contemporâneo criou um nomen novum, a saber: Inga congesta.
De fato, o ingazeiro estudado por Pennington é uma planta extraordinária. A começar por seu porte, arbustivo ou por vezes escandente, características que possibilitam sua utilização como planta de vaso ou mesmo semi-trepadeira. Suas flores são enormes e creme-amareladas, muito vistosas e atrativas para beija flores (ver a segunda foto). As folhas possuem proeminências muito marcadas na face superior (buladas), e a folhagem jovem é marrom-avermelhada, muito decorativa em contraste com as folhas maduras verde-escuras (primeira foto).
Por todos esses predicados, impressionou-nos nunca ter sido introduzido em cultivo. Durante alguns anos o procuramos em vão, até finalmente localizarmos uma matriz, no que restou da floresta original perto da localidade típica. Tivemos o prazer de degustar os frutos relativamente grandes (10-12 cm de comprimento), com a casca amarelo-alaranjada e recoberta de uma leve pubescência. Além da oportunidade de guardar algumas sementes e produzir poucas mudas, que atualmente encontram-se em fase de crescimento.
Forte abraço!

Mais informações e mudas em:
http://www.e-jardim.com/produto_completo.asp?IDProduto=362