quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

A extraordinária história do keppel


O keppel (Stelechocarpus burahol) é uma fruta do tamanho de uma maçã, da família das Anonáceas (a mesma da fruta-de-conde, dos araticuns e da graviola), originária da ilha de Java, na Indonésia.
A árvore que o produz é belíssima, chegando a atingir mais de 20 m de altura em seu habitat natural. Suas enormes folhas, de até 30 cm de comprimento, possuem quando jovens uma coloração que passa por tons de carne, rosa-choque e vermelho-vinho (veja a primeira foto). A copa é piramidal e muito densa, lembrando de longe a de um jambeiro (Syzygium malaccense). Também muito decorativas são suas flores, as femininas com longo pedúnculo ("cabinho"), nascidas do tronco e muito perfumadas.
Os frutos assemelham-se externamente a um sapoti (Manilkara zapota) esférico, mas possuem polpa amarelo-alaranjada, macia, doce e aromática. Possui um leve sabor de coco-da-baía (Cocos nucifera), mas sua textura remete à do mamão (Carica papaya).
A fama do keppel no Ocidente adveio dos escritos de David Faichild, o grande explorador de plantas norte-americano, e que dá nome ao Fairchild Tropical Garden. (Fairchild, D. 1930. Exploring for plants. 591 p. New York, The Macmilian Company, págs. 429-432). Em Yogyakarta (nome atual de Djokjakarta), localizada em Java na Indonésia, o yankee encantou-se com a elegância e imponência da árvore. Ele nos revelou que a fruta era a grande favorita entre as mulheres do harém do Sultão. Os jardins do Taman Sari (Palácio das Águas), notável conjunto arquitetônico projetado pelos portugueses no século XVIII, e integrado ao Kraton (Palácio do Sultão), são arborizados com vários exemplares de Stelechocarpus burahol. Reza a lenda que as secreções de quem saborear esses frutos exalará um intenso aroma de violetas.
Fairchild levou sementes em 1926 para os EUA, mas nenhuma das plantas delas oriundas sobreviveu em cultivo. Foi somente na década de 1970, que o colecionador de frutas Bill Whitman (vide post do dia 07/09/08) logrou cultivar e frutificar (!) o keppel na Flórida. Seu livro (Whitman, W. F. 2001. Five Decades with Tropical Fruit, a Personal Journey. 476 p. Englewood, Quisqualis Books, págs. 210-213) apresenta uma interessante narrativa sobre o tema, além de uma foto colorida e duas preto-e-brancas. No final do texto, há um pequeno quadro informando que o keppel de Bill pereceu, após estar enorme, devido a doenças fúngicas.
Aqui no E-jardim temos um lindo exemplar com pouco mais de dois metros de altura. Ele vem sendo cultivado a sol pleno e em terra rica em húmus, mantida sempre úmida, porém sem encharcamente. Na Natureza, esta espécie habita florestas tropicais ou seu entorno, e segundo trabalhos recentes, encontra-se ameaçada de extinção na Indonésia.
Foi com bastante alegria que conseguimos produzir algumas poucas mudas de keppel, após um longo período de germinação que durou de 12 a 18 meses.
Forte abraço!

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Na terra da jabuticaba-branca (parte 1) - Syagrus macrocarpa

No post anterior, citamos o encontro de Myrciaria aureana na região do médio Rio Doce. Hoje, descreveremos o ambiente mais detalhadamente.

Nosso encontro com a jabuticaba-branca nas proximidades de Governador Valadares (MG) deu-se meio por acaso.

Viajávamos a fim de observar e fotografar uma rara e bela palmeira, de enormes frutos comestíveis (8 cm x 6 cm), muito apreciados pela fauna e pelas pessoas que a apelidaram de maria-rosa.

Refiro-me a Syagrus macrocarpa, cujo habitat natural engloba pequenos enclaves nos estados do Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Nestes locais, ela é sempre uma palmeira rara, ocorrendo isoladamente ou em diminutos grupos, em florestas ou capoeiras. Contrasta sobremaneira com o comuníssimo jerivá (Syagrus romanzoffiana), que vive em grandes colônias e sobrepõe-se à distribuição natural da maria-roseira.

Seguimos uma estrada de terra ao lado de uma fábrica de tijolos, que daria acesso a uma pequena floresta. No trajeto, o que se via era um cenário de grande devastação. Pastos ou capoeiras com fornos para produção de carvão plantados por todos os cantos. Eventualmente um ou outro exemplar de Syagrus macrocarpa poupado do corte devido aos valorizados frutos.

Na terra da jabuticaba-branca (parte 2) - Eugenia robustovenosa

Em um declive ao lado da picada, exposta a sol pleno, encontramos a formosa mirtácea ornamental conhecida como eugênia-magnífica (Eugenia robustovenosa).

As folhas desta planta são grandes e muito grossas (coriáceas) e profundamente marcadas como bolhas impressas (buladas). Clique na imagem para ampliá-la e visualizar melhor estas características. Suas flores são brancas, perfumadas e muito grandes para uma espécie de Eugenia.

Já a havíamos observado anteriormente em matas ciliares na região de Ipatinga, sempre associada a florestas. Foi uma surpresa encontrá-la firme e forte no meio de um pasto.

Na terra da jabuticaba-branca (parte 3) - Final

Passando antes por meia dúzia de olarias, sempre associadas ao desmatamento, chegamos finalmente a uma pequena mata em processo de degradação. Das árvores maiores só se viam os troncos decepados, e pilhas de madeira pronta para ser transformada em carvão. A foto que abre o post do dia 18/01 ilustra bem o fato.

No interior dessa matinha, havia duas jabuticabeiras produtoras de frutos que nunca ficam escuros, mesmo na plena maturação. A impressão das nervuras, tamanho e formato das folhas, além do porte reduzido e coloração marrom-acinzentada do tronco não deixavam dúvidas quanto à sua identidade: Myrciaria aureana, a verdadeira jabuticaba-branca.

Alguns moradores mais antigos nos relataram que ocasionalmente andavam pela mata para colher seus saborosos frutos. Porém as novas gerações, acostumadas às "facilidades" da vida moderna, não demonstram o menor interesse pelas "frutas do mato".

O mesmo se repete em outros locais onde já encontramos a jabuticaba-branca em estado silvestre. Muito raramente algum lavrador a cultiva em quintais. Só mesmo algum teimoso ou saudosista do tempo em que a Mata Atlâtica andava menos debilitada.

É a triste situação da jabuticabeira-branca. Não fosse pela abnegação de valorosos horticultores, espalhados por esse imenso país e alcunhados de "colecionadores de frutas", Myrciaria aureana já teria se juntado a tantas outras espécies já extintas.

Forte abraço!

domingo, 18 de janeiro de 2009

A triste realidade da jabuticaba-branca


A primeira pessoa a usar o nome jabuticaba-branca foi Auguste de Saint-Hilaire, botânico francês sobre quem já falamos no post do dia 21/09/2008. O naturalista anotou: "Vimos que havia em Itabira de Mato Dentro jabuticabeiras de frutos negros e de frutos amarelos, e, se minha memória é fiel, existe uma espécie que se designa pelo nome jabuticabeira branca, ou, pelo menos, cujo fruto se chamaria jabuticaba branca". (Saint-Hilaire, A. 1975 [tradução do original de 1830]. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia. 378 p.).

Em 1877, quase 40 anos depois, o então diretor de Parques e Jardins, Auguste Glaziou (ver texto do dia 22/11/2008) colheu amostras de uma arvoreta chamada de "jaboticaba branca" entre as localidades de Sete Pontes e Barreto, atualmente área urbana de Niterói (RJ). Esta planta foi batizada de Eugenia phitrantha por Kiaerskou em 1893, porém ela raramente produz frutos brancos (verdes). São, em geral, cor-de-vinho ou quase negros, razão pela qual a espécie é mais acertadamente chamada de jabuticaba-branca-vinho.

Na metade do século XX, o botânico Frederico Carlos Hoehne escreveu que o fruto da mirtácea Gomidesia reticulata se chamaria "jaboticaba branca". Cabe aqui informar que todas as gomidésias produzem frutos em panículas (algo como um "cacho de cachos"), nunca agarradas nos troncos ou ramos como as verdadeiras jabuticabas. O próprio Hoehne reconheceu isso, ao acrescentar que esta árvore nunca deveria ser agrupada entre as jabuticabeiras.

Porém a confusão estava feita e, a partir daí, vários autores de livros sobre plantas passaram a invariavelmente usar o nome científico Gomidesia reticulata para toda e qualquer jabuticaba que não se tornasse escura ao amadurecer.

Coube ao glorioso João Rodrigues de Mattos (sobre este pesquisador, veja o artigo do dia 26/09/2008) separar alhos de bugalhos. Em 1962, ele estudou uma jabuticabeira nos pomares da ESALQ com uma placa de identificação onde se lia "nome científico: Gomidesia reticulata - nome popular: jaboticaba branca". Descobriu que correspondia exatamente à espécie colhida por Glaziou, rebatizada de Myrciaria phitrantha por não se tratar de uma eugênia.

Finalmente, em 1976, Mattos descreveu uma jabuticabeira bem semelhante à anterior, só que de porte menor e de folhas mais estreitas e um tanto mais curtas. Os frutos por ele observados eram sempre verdes (ou brancos), mesmo quando completamente maduros. O material estudado foi colhido em 1963 por Áurea Bordo, funcionária do Instituto de Botânica. Em homenagem à coletora, criou o epíteto de Myrciaria aureana, hoje reconhecida como a "verdadeira jabuticaba-branca".

A origem da jabuticaba-branca por muitos anos permaneceu um mistério. Mattos informou que era de "procedência ignorada, cultivada em São Paulo". Foi somente em 2007, graças aos esforços de Harri Lorenzi (Instituto Plantarum) e colaboradores, que se soube que M. aureana é uma planta muito rara na Mata Atlântica, encontrada ao longo do Rio Doce e na Zona da Mata mineira.

Semana passada, localizamos uma população desta espécie em meio a um resquício de floresta que vem sendo dizimado para produção de carvão vegetal, visando o abastecimento de um complexo de olarias na região do médio Rio Doce. A foto que encabeça estas linhas muito bem ilustra o lastimável fato.

No próximo post, contarei detalhes.

domingo, 11 de janeiro de 2009

A fruta-do-sabiá




Na última edição da revista Globo Rural, foi publicada uma carta do leitor José Luiz Figueiredo, do Rio de Janeiro, na qual ele informava a dificuldade em adquirir mudas de Acnistus arborescens, comumente chamada de fruta-do-sabiá.
Esta planta apresenta uma vasta distribuição geográfica, ocorrendo desde o Caribe e América Central, até a Região Sudeste do Brasil. Geralmente em capoeiras, ou seja, em ambientes em processo de regeneração.
Via de regra é um arbusto de 1-2 m, com galhos finos e de madeira leve e pouco resistente. Destaca-se pela abundância de flores brancas em cachos, que logo se transformam em pequenas bagas alaranjadas. Nesta ocasião, fazem a alegria de muitos pássaros, inclusive o sabiá (Turdus rufiventris) que lhe traz fama.
Muito fácil de cultivar, aprecia solos organo-argilosos e que retenham um pouco de umidade. Precisa de luz solar direta ou indireta para vegetar com vigor. Vai bem climas subtropicais e tropicais, até mesmo em vasos. Incia a frutificação em pouco tempo.
Além dos predicados ornitófilos, a fruteira-do-sabiá vem sendo objeto de muitas pesquisas recentes, pois descobriu-se que um grupo de substâncias presentes em suas folhas (vitanolídeos) possui destacada atividade anti-cancerígena. Àqueles que se interessarem pelo assunto, recomendo uma pesquisa no Google.
Mas sem dúvida o repentino interesse pelo plantio de Acnistus arborescens deve-se ao trabalho de divulgação de dois apaixonados por aves nativas, Johan e Christian Dalgas Frisch. Na obra "Aves brasileiras e plantas que as atraem", publicada em 2005, os autores apresentam uma bela gravura de um sabíá-laranjeira refestelando-se com a fruta. Com a crescente urbanização de nossas cidades e consequente redução de área verde, quem não gostaria de atrair pássaros para seu jardim, ou mesmo sua varanda de apartamento?
Pois mesmo assim, ainda são raras as mudas da fruta-do-sabiá nos viveiros ou sementeiras por este Brasil afora, como testemunha José Luiz no início deste texto. Foi pensando em pessoas como ele, que recentemente disponibilizamos esta interessante "fruta para pássaros" no E-jardim:
Forte abraço!