sábado, 27 de setembro de 2008

Yes, nós temos ubaia!!!


Ubaia é uma palavra derivada do tupi-guarani (ybá-aia = fruto azedo), que se confunde com uvaia. O último nome (com "v") é imediatamente associado à espécie Eugenia pyriformis (=E. uvalha), muitíssimo cultivada em pomares domésticos nos estados de Minas Gerais e São Paulo, tanto que até ganhou comunidade própria no site de relacionamentos Orkut.

No Nordeste, "ubaia" qualifica várias espécies diferentes de Eugenia, como E. luschnathiana (mais apropriadamente conhecida como pitomba-da-baía) e E. speciosa (no Sul chamada de laranjinha-do-mato), entre outras.

Paulo Cavalcante, pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi (PA), consagrou em sua obra [Cavalcante, P.B. 1996. Frutas comestíveis da Amazônia. Belém, Mus. Paraense Emílio Goeldi. 279 p.] a denominação (com "b") exclusivamente para Eugenia patrisii, no que foi seguido por Harri Lorenzi [Lorenzi, H. et al. 2006. Frutas brasileiras e exóticas cultivadas. Nova Odessa, Instituto Plantarum. 672 p.] e finalmente por todos os "colecionadores de frutas" desse imenso Brasil.

A ubaieira ocorre no estado silvestre em vários países da Amazônia, como Brasil (Pará e Amazonas), Guianas, Bolívia e Peru. Costuma crescer no interior da mata (sub-bosque), onde é uma arvoreta de até 5 m de altura, de copa rala e notável por sua folhagem jovem fortemente tingida na tonalidade rubi (ver a segunda foto que ilustra este texto). Eventualmente vegeta em capoeiras a céu aberto, onde dificilmente alcança mais de 1 m. Produz flores brancas com pedicelos ("cabinhos") muito longos, que mais tarde transformam-se em frutos intensamente coloridos de vermelho-rosado desde recém-formados (veja a primeira imagem). Atingem de 2,5 a 3 cm de diâmetro, possuindo polpa igualmente vermelha e de sabor agridoce, ligeiramente aromático, que agrada muito.

Há coisa de cinco ou seis anos, plantei cinco exemplares em vasos de 25 litros com substrato rico em húmus e adubação bem balanceada. No início de 2008, um deles foi finalmente transferido para o solo, sob a copa de um ingazeiro-de-metro (Inga edulis), recebendo toda a nossa atenção no E-jardim. Qual não foi minha surpresa quando, não esta ubaieira "mimada", mas uma outra ainda envasada, lançou várias flores. "Sorte de principiante" - resmunguei. "Não irão vingar, pois dificilmente uma eugênia frutifica logo na primeira florada" - imaginei. Quebrei a cara. Aqui estão os frutinhos para provar.

Forte abraço!

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Eugenia matosii, a rainha dos bonsais

Quem aprecia a milenar arte japonesa, certamente já se deparou com uma planta de folhas pequenas (1,5-3 cm), muito brilhantes e com textura de plástico (vide foto). Por sua beleza, rusticidade, folhagem graciosa e diminutos frutos de cor escarlate, ela reina absoluta no bonsaísmo nacional.

No ramo, é conhecida por diversos nomes, que variam de região para região: mini-cerejeira, cerejinha, pitanguinha, pitanga-anã, etc. Porém, poucos sabem sua classificação botânica, e muito menos sua história e origem.

Esta espécie foi descoberta nos últimos anos da década de 1950 pelo infatigável engenheiro agrônomo João Rodrigues de Mattos, nos arredores de Blumenau e Florianópolis (SC). Era na época (e hoje mais ainda) raríssima na Natureza. Mattos era um grande entusiasta das frutas silvestres brasileiras, e dedicou-se com afinco ao estudo da botânica sistemática das mesmas. Sua predileção recaía sobre a família Myrtaceae, à qual prestou grande contribuição em suas passagens pelo Instituto de Botânica (SP) e pela Secretaria de Agricultura do Rio Grande do Sul. Publicou um sem-número de trabalhos sobre estas plantas, tanto na área agronômica quanto na botânica, que até hoje servem como referência.

As amostras coligidas na vertente atlântica das matas de Blumenau serviram como base para a descrição de Eugenia mattosii em 1961, uma justa homenagem do botânico uruguaio Diego Legrand a seu colega brasileiro (Legrand, D. 1961. Sellowia, 13: 310).

Na Natureza, a pitanguinha-de-mattos atinge no máximo 0,50-1 m de altura, formando arbustos compactos, de caule e ramos muito rijos, densamente folhados, e de copa densa e arredondada. Os frutos no habitat natural mal chegam a 1 cm de diâmetro, mas nas formas hoje cultivadas são bem maiores, medindo de 1,5 a 2 cm. Assim que se formam são piriformes (formato de pêra), tomando a forma quase esférica à medida em que amadurecem. Sua polpa é muito doce, aquosa e destacada da semente.

Como planta ornamental, além de bonsais, prestam-se admiravelmente bem para a formação de bordaduras ao longo de muros, escadas, canteiros ao redor de piscinas, vasos ornamentais, etc. Algumas pessoas aparam sua copa periodicamente, mantendo-as bem redondinhas, o que lhes empresta um formoso aspecto de "buxinho".

(Para saber mais, acesse nosso site:
http://www.e-jardim.com/produto_completo.asp?IDProduto=11)


quarta-feira, 24 de setembro de 2008

A formidável pitangatuba (2) - características e cultivo



No post anterior, escrevi que a pitangola (mais um apelido que lhe foi dado, em função de parecer-se com um misto de pitanga e carambola) seria uma planta com grandes qualidades. Hoje vamos desenvolver o tema.

A Eugenia neonitida é uma mirtácea endêmica (com restrita área de distribuição) das restingas fluminenses, até recentemente quase desconhecida dos fruticultores. Em seu habitat natural, é um arbusto compacto, de menos de 1 m de altura. Em condições de cultivo, atinge pouco menos de 2 m. Seu tronco possui uma casca externa áspera, que se desprende em placas. As folhas têm textura de couro (coriáceas), são elípticas e pontiagudas no ápice. São verde-escuras na face superior, e mais claras na inferior. As nervuras são bem impressas na parte superior.

Nos meses de outubro a março, a planta floresce abundantemente, frutificando entre setembro e fevereiro.

Os frutos são de chamar a atenção de qualquer pessoa, pois chegam a medir 7 cm x 5 cm, amarelo-alaranjados quando bem maduros, ocasião em que desprendem um aroma fantástico, superior ao das melhores uvaias (Eugenia pyriformis). A porcentagem de polpa é imensa, pois os frutos apresentam uma semente única, relativamente pequena. Esta semente se destaca facilmente do restante da fruta. A pitangatuba é muito suculenta, parecendo se "derreter" quando posta na boca, causando uma agradável sensação. Seu sabor é agridoce, que pode tornar-se mais adocicado à medida em que a adubamos com potássio (sob a forma de KCl, por exemplo) e a cultivamos a pleno sol.

Um estudo recente [Vilar, J. et al., 2006. Potencial nutritivo de frutos de pitangão (Eugenia neonitida Sobral). Rev. Bras. Frutic., 28(3): 536-538], disponível online no site www.todafruta.com.br, revelou que seus valores nutricionais são amplamente superiores aos da conhecida pitanga-comum (Eugenia uniflora), recomendando-a para plantio e exploração comercial de polpa.

Cabe aqui repetir que o sabor do pitangão em nada se assemelha ao da pitanga-comum. Enquanto a última sempre apresenta algum sabor resinoso (aquele "amarguinho" característico), E. neonitida não apresenta qualquer sinal de amargor, deixando invariavelmente um gosto muito agradável na boca.

Ela é uma planta de grande adaptabilidade, indo bem em climas quentes ou frios, em qualquer tipo de solo, e beneficiando-se amplamente de uma boa adubação. Pode ser plantada em pomares ou mesmo em vasos e jardineiras. Frutifica precocemente, a partir de um ano e meio ou dois anos de idade.

Para se ter uma idéia, basta dizer que aqui no E-jardim elas frutificam dentro de tubetes (!) de 19 cm de altura x 6 cm de largura, com uma altura de 40-50 cm! Muitos clientes nossos têm recebido as mudas nestas condições.

Espero que os fruticultores brasileiros se animem a desenvolver pomares comerciais de pitangatuba, e que sua polpa esteja brevemente disponível para consumo de nossa população.

Forte abraço!

domingo, 21 de setembro de 2008

A formidável pitangatuba (1) - seu nome científico

Formidável é uma palavra derivada do latim formidabilis (temível), que em português significa "acima do comum pela intensidade", descomunal, colossal. No Brasil dos anos 1950, o adjetivo começou a ser empregado para designar tudo que era admirável, excelente ou magnífico. Quem viveu ou tem parentes que viveram nessa época, certamente conhece o termo.

Pois em pleno século XXI, tive que recorrer a esta palavra para qualificar a pitangatuba, uma das mirtáceas de que mais gosto.

Inicialmente, tratarei da questão de seu nome científico, pois em diferentes publicações ela é abordada sob denominações incorretas (por exemplo, Eugenia edulis [Silva, S. & H. Tassara. 2005. Frutas Brasil frutas. São Paulo, Empresa das Artes. 324 p.]).

O primeiro cientista a coletar o pitangão (um sinônimo popular) foi o francês Auguste de Saint-Hilaire, em Cabo Frio, na então Província do Rio de Janeiro. Ele percorreu extenso roteiro em nosso país entre os anos de 1816 e 1822. Suas espirituosas aventuras foram narradas sob a forma de relatos de viagens, e publicadas em português pela Editora Itatiaia, de Belo Horizonte (MG).

O material colhido por Saint-Hilaire foi estudado por seu amigo Jacques Cambessèdes, que brindou a nova espécie com o epíteto de Eugenia nitida, em 1832. Contudo, não observara que este nome já existia, pois havia sido utilizado pelo Frei José Mariano da Conceição Velloso (em 1825) para designar outra planta.

O botânico alemão Otto Karl Berg, percebendo a duplicidade do nome, rebatizou-a de Phyllocalyx edulis, em 1857.

Tudo resolvido? Nada disso. Anos mais tarde, novos estudos mostraram que o gênero Phyllocalyx era um sinônimo de Eugenia, transformando a nomenclatura em Eugenia edulis.
Que por sua vez, já existia, criada pelo mesmo Frei Velloso de alguns parágrafos acima para mais uma espécie diferente.

Quanta confusão! Foi somente em 1995 que coube ao Prof. Marcos Sobral, grande estudioso da família Myrtaceae, criar um nome que (finalmente!) pudesse acolher a eleita do post de hoje: Eugenia neonitida (a palavra latina neo significa "nova").

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Explosão em rosa-choque!


Nos meses de agosto a setembro, ocorre uma "explosão" na cor rosa-choque aqui no E-jardim.

A árvore conhecida como pau-de-rosas ou sebastião-de-arruda (Physocalymma scaberrimum) despe-se completamente de suas folhas e, à maneira dos ipês (Tabebuia spp.), cobre-se inteiramente de magníficas flores de intensa coloração róseo-violeta, que contrastam fortemente com o azul do céu.

Esta fenomenal planta foi descoberta e batizada pelo naturalista-viajante Johann Emanuel Pohl, que chegara ao Brasil em 1821 na chamada Missão Austríaca, por ocasião do casamento do então Príncipe Dom Pedro com a Arquiduquesa Leopoldina. O botânico perambulou durante mais de três anos pelos sertões tupiniquins, tudo anotando em seu diário, mais tarde editado em forma de livro [Pohl, J. E. 1976. Viagem no interior do Brasil. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia. 417 p.]. Na então capitania de Goiás deu-se, talvez, seu mais notável achado: o pau-de-rosas.

Trata-se de uma árvore de pequeno a médio porte (5-8 m em cultivo; até 15 m no habitat natural), com copa de formato piramidal. Suas folhas são obovadas, de textura semelhante à do couro (coriácea) e nervuras muito marcadas. Sua floração dispensa palavras, melhor será admirar as duas estonteantes imagens que acompanham este post.

O sebastião-de-arruda pertence à família Lythraceae, a mesma dos introduzidos resedás (Lagerstroemia spp.), tão utilizados em nossa arborização urbana. Não tenho dúvidas de que o "resedá-brasileiro" rivaliza e até supera em beleza seus "primos" estrangeiros. Em minhas viagens por Goiás, observei uma grande variação na tonalidade de rosa (do mais claro, praticamente branco ao quase violeta) no Physocalymma scaberrimum. É uma espécie de grande rusticidade e crescimento relativamente rápido (aqui no sítio levou quatro anos para iniciar a floração). Como se não bastassem todos estes predicados, sua madeira é de excelente qualidade, rajada de amarelo e vermelho-escuro. A tal ponto que é conhecida como "cega-machado" e "quebra-facão" entre os mateiros e madeireiros.

Espero, com o papo de hoje, contribuir para a divulgação desta maravilha da Flora Brasileira.

Forte abraço!

domingo, 7 de setembro de 2008

A sapota-do-solimões (Quararibea cordata)




O título de hoje parece sugerir um fruto da saborosa família das sapotáceas, que inclui os dulcíssimos sapoti (Manilkara zapota) e abiu (Pouteria caimito). Engana-se quem se deixa levar pela nomenclatura popular. A sapota-do-solimões é parente das coloridas paineiras (Ceiba spp.), dos ornamentais Hibiscus e do célebre cacau (Theobroma cacao), todos pertencentes à família das malváceas.

A sapota-do-solimões possui formato globoso (ca. 12 cm de diâmetro), casca marrom-esverdeada e com textura de couro (coriácea), que encerra uma polpa amarelo-alaranjada, suculenta e abundante, algo fibrosa (como a da manga). Seu sabor é simplesmente delicioso, doce e delicado. Pode ser comparado a uma mistura de manga com melão-cantaloupe. O número de sementes é pequeno, variando de duas a cinco por fruto.

É muito popular no oeste da Amazônia, a partir da cidade brasileira de Tefé até a região fronteiriça com o Peru e a Bolívia. Nesta área aparece com freqüência nas feiras livres, colhida na mata virgem, ou mesmo em quintais domésticos, onde é cultivada.

Praticamente desconhecida dos fruticultores brasileiros fora da região amazônica, a Quararibea cordata foi introduzida no sul dos EUA (Flórida) em 1964. O autor da proeza foi William Francis Whitman (1914-2007), mais conhecido como Bill Whitman.

Bill foi um americano de grande espírito empreendedor, tendo sido pioneiro em áreas tão diversas como surfe, filmagem subaquática e construção de shoppings centers. Mas sua grande paixão acabou sendo o cultivo de frutas tropicais. Ele conta em seu ótimo livro [Whitman, W. F. 2001. Five Decades with Tropical Fruit, a Personal Journey. Englewood, Quisqualis Books. 476 p.] que “apaixonou-se” em 1947 pela fruta-pão (Artocarpus altilis) durante uma viagem ao Taiti. A partir de então, começou a organizar uma fantástica coleção das mais deliciosas frutas de climas quentes vindas de todos os cantos do planeta.

Paralelamente, fundou em Miami uma associação de pessoas que compartilhavam o mesmo interesse, denominada “Rare Fruit Council International” (Conselho Internacional de Frutas Raras). Já no final da vida, Whitman fez uma vultosa doação ao Fairchild Tropical Garden, para a construção de uma sofisticada estufa para cultivo de clones das frutas de sua coleção (http://www.fairchildgarden.org/index.cfm?section=livingcollections&subsection=tropicalfruitprogram&page=whitmantropicalfruitpavilion).

Mas voltemos ao nosso tema de hoje. Bill importou o “South American sapote” da cidade de Iquitos, na Amazônia peruana. Distribuiu a espécie a vários membros do RFCI, obtendo finalmente sua frutificação em 1973. Inicialmente de produção tímida (apenas oito frutos), a carga aumentou consideravelmente nos anos subseqüentes, chegando a mais de 60 unidades por árvore. A capa de seu livro estampa justamente esta uma dessas colheitas (ver foto).

Em meados da década de 1990, tive o prazer de me corresponder com Whitman. Apesar de não tê-lo conhecido pessoalmente, amigos em comum trouxeram-me duas mudas suas de Q. cordata. Passei a cultivá-las com carinho, ministrando sombra (através do uso de tela sombreadora) e adubação equilibrada (principalmente orgânica).

As árvores desenvolveram-se muito bem no clima da Região Sudeste, apresentando maior crescimento após a remoção da cobertura sombreadora. Anualmente, aplico composto orgânico, enriquecido com fósforo e microelementos. Hoje, uma delas mede cerca de 3 m de altura, enquanto que a segunda ficou com menos de 2 m, por termos propositalmente removido seu ápice (uma técnica muito utilizada por fruticultores para reduzir o porte de algumas fruteiras). São plantas muito ornamentais, pelas imensas (40-50 cm) folhas em forma de coração (cordiformes) e pela copa simétrica, arredondada.

Qual não foi minha surpresa, dias atrás, quando aos sete anos de idade uma das sapoteiras-do-solimões aqui do E-jardim lançou uma bela carga de flores (ver a segunda foto que ilustra este texto). Divido a imagem com vocês, já torcendo para que se transformem em deliciosos frutos.

Forte abraço!